Principais conclusões:

  1. Ao criar as bases regulatória e jurídica para criar condições de concorrência no setor, a aprovação do Projeto de Lei nº 6.407/2013 na Câmara e seu encaminhamento para o Senado é um ato positivo que contribui para entregar gás (e subprodutos) a preços competitivos ao consumidor, beneficiando o desenvolvimento do país. O Projeto resulta de um consenso político e sua aprovação deve ser buscada. Existem outros aperfeiçoamentos fundamentais para a dinâmica de mercado, como harmonização de práticas regulatórias na distribuição de gás, que ainda serão discutidos mesmo após a aprovação da Lei, e outras pré-condições importantes como a garantia da concorrência sem a criação de campeões nacionais, que pode ter impacto negativo em vários outros setores.

  2. Se a competição introduzida com a Lei reduzir o preço médio do gás de 14 US$/MMBTU para algo entre 5 e 7 US$/MMBTU entregues ao consumidor industrial, haveria condições econômicas para um significativo aumento de seu consumo na indústria pela substituição de energéticos e pelo estímulo à competitividade da indústria brasileira, reduzindo importações. Haveria ainda amplo espaço para deslocar o óleo diesel no transporte, principalmente de carga. Tudo considerado, cerca de 28 Mtep de gás natural poderiam ser direcionados para a indústria e transporte, demanda maior do que todo o consumo final atual. Tanto no caso da indústria quanto no transporte, o gás estaria deslocando combustíveis fósseis mais poluentes, permitindo a redução das emissões de CO2 e de outros compostos nocivos ao meio ambiente e à saúde do ser humano. O crescimento do consumo pelo setor industrial pode ocorrer segundo a lógica de mercado, por mérito econômico, com intervenção governamental mínima e, se necessária, apenas para garantir um bom funcionamento do mercado induzido pela nova lei. Por outro lado, o setor de transporte talvez precise de um programa governamental para iniciar o processo de substituição de diesel, visando reduzir as importações, tornar o frete de carga mais barato com importantes ganhos indiretos e ainda reduzir as emissões de CO2 em 15%.

  3. O uso do gás associado do Pré-sal para a produção de energia elétrica é a opção que precisa ser avaliada com atenção, considerando a queda de preços das fontes renováveis e perspectiva de precificação de carbono. Além disso, por ser associada à produção do óleo, essa geração não teria a flexibilidade operativa que será crescentemente demandada pelos sistemas de potência com a maior penetração de renováveis. No entanto, a preços de gás na faixa de 4-5 US$/MMBTU entregues na térmica, o gás inflexível pode ser competitivo economicamente com as demais opções de expansão quando ambas competem valendo-se de seus próprios atributos, gerando uma demanda adicional de 14 Mtep ao ano do gás natural. Nesse caso, o possível aumento de emissões com o deslocamento de renováveis pode ser evitado com a variante Gas to Wire with Carbon Capture and Storage, com eletricidade sendo gerada diretamente nas plataformas offshore e transmitida por cabos submarinos. O gás carbônico da queima é injetado nos reservatórios junto com o CO2 original, contribuindo para o aumento da produção de óleo e a neutralização das emissões.

  4. Investimentos em nova infraestrutura devem ser feitos por valor econômico aportado, considerando que o gás natural é um combustível de transição para uma economia de baixo carbono, seja pela eletrificação de atividades que hoje utilizam combustíveis fósseis (transporte de passageiros) ou pela produção de outros energéticos limpos, como o hidrogênio verde e carriers derivados (ex. metanol ou amônia). Neste contexto, e sempre que possível, deve-se otimizar o uso da rede de gasodutos existente, aumentando a produtividade desses ativos e evitando a necessidade de novos investimentos na infraestrutura de gás não economicamente justificados, que apresentam o risco de se tornarem subutilizados.

Resumo:

O objetivo desse texto é apresentar possibilidades para o mercado de gás natural no Brasil a partir do aproveitamento das reservas de gás natural no mar, especialmente do Pré-Sal. Procura-se responder duas perguntas neste relatório: o quanto a concorrência pode ampliar o mercado de gás no Brasil? A expansão do gás pode ser feita de forma sustentável, evitando ativos “encalhados” e grande aumento de emissões? O enfoque de nossa análise será através da busca por eficiência e produtividade, utilizando como princípios a competição, como ferramenta para ampliação do mercado e aproveitamento do recurso, a minimização do risco de ativos sub-utilizados e um enfoque de sustentabilidade (preferência ao deslocamento de fontes mais poluentes). A análise do potencial uso do gás desenvolvida nesse documento complementa diversos estudos recentes, consolidando resultados e apontando convergências. Também são elaboradas, de forma inédita, potencialidades como no transporte de carga pesada em escala nacional e implicações pouco discutidas fora do âmbito acadêmico, mas de grande potencial, como a geração termelétrica offshore (gas-to-wire) com a captura e sequestro de carbono, além de aspectos logísticos relativos à maior ou menor proximidade de grandes unidades industriais com os gasodutos existentes.

Destaca-se que parte do crescimento da produção de gás natural está associada à produção do óleo do Pré-sal. Portanto, explorar possibilidades para a utilização do gás natural oriundo da produção do Pré-Sal é um tema urgente para o Brasil. Por um lado, a aceleração da transição energética por motivos climáticos pode diminuir a demanda por combustíveis fósseis nos próximos anos. Essa transição indica a importância da otimização do uso da infraestrutura existente, por exemplo no transporte do gás, dado o tempo de amortização possivelmente curto de futuros investimentos, assim como a maior resiliência, inclusive financeira, de opções que desloquem outras fontes mais poluentes ou possibilitem o sequestro de carbono. Por outro lado, a perspectiva de precificação de atributos ambientais e a evolução tecnológica das energias renováveis introduz riscos ao trancamento tecnológico envolvido nos investimentos na infraestrutura de gás. Emerge dos diversos estudos e cálculos reportados nesse documento que a expansão da demanda pelo gás natural no país depende de uma convergência do seu preço para a faixa de US$ 4 a 7/MMBTU entregue ao consumidor para ser compatível com a eficiência econômica. Essa é a faixa de preço que permite que o gás natural seja competitivo com outras fontes de energia na indústria, no transporte e mesmo na geração elétrica. Não há fórmula única para eventual redução do preço do gás natural no Brasil, mas parte central de diversas iniciativas regulatórias e legislativas dos últimos quatro anos visa criar condições para que a maior competitividade do gás possa ser buscada. Esse é o objetivo de ações para facilitar o acesso de terceiras partes a infraestruturas existentes, aumentando a concorrência e transparência no mercado do gás, conforme proposta para a nova lei do gás incorporada no Substitutivo ao Projeto de Lei nº 6.407/2013 aprovado pelo relator na Comissão de Minas e Energia da Câmara de Deputados.